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Uma Temporada Com Lacan - Relato
REY, PIERRE , NAZAR, JOSE
CIA DE FREUD
80,00
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Nos primeiros tempos, de imersão total, a análise pro voca um perigoso estado de tensão que se traduz
inicialmente por uma perda do senso de humor.
Lembro de uma festa em casa de amigos num salão tipi camente parisiense. Sentados na minha frente num
sofá, dois rapazes falavam de Lacan. Um deles tinha um cargo qualquer no Ministério da Cultura. Eu conhecia
o outro, considerado inteligente, desde nossos vinte anos.
Durante cinco minutos, tive força para não intervir ape sar da burrice das contraverdades proferidas. Depois de
ata car metodicamente sua técnica — era um perigoso malfeitor, um charlatão, um assassino —, investiram
contra sua pessoa — grotesca e pretensiosa, nem é preciso dizer —, seus ca sacos de pele, camisas de gola
Mao — ridículas na sua ida de —, sua fortuna — era escandaloso como ele tapeava os ingênuos — para
concluir que estava se tornando urgente “fazer alguma coisa para impedi-lo de prejudicar os outros”.
Em ultimíssimo caso, posso me conformar com a fra queza de uma mentira, mas a injustiça me é
insuportável.
— Vocês o conhecem? — perguntei com voz meiga.
— Não, mas sabemos!
— Um segundinho... Já estiveram com ele?
Alertados por minha mudança de tom, eles se encararam depois de me lançar um rápido olhar surpreso.
— Fiz uma pergunta! Vocês o conhecem, leram seus textos ou estiveram com ele?
Calaram-se de repente.
— Quando não se sabe, fi ca-se de bico calado!
Ainda hoje não entendo o que aconteceu dentro de mim naquele momento.
Senti um véu branco turvar meus olhos enquanto uma fantástica descarga de adrenalina me fez fi car de pé,
pálido, com os músculos tensos e o rosto de pedra. Apontei-lhes um indicador assassino e me ouvi dizer com
voz gelada:
— Escutem, seus panacas... Escutem bem... Se me xerem uma pestana, se acrescentarem uma palavra, eu
mato vocês.
Paralisados, brancos como um lençol, acho que nem res piravam mais. Com medo de cumprir a promessa,
dei-lhes as costas. Eles aproveitaram para ir embora na ponta dos pés. A cena não tivera testemunha alguma,
salvo a dona da casa, que chegou no instante em que se esquivavam.
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