Barthes em Godard

MOTTA, LEDA TENORIO DA
ILUMINURAS

98,00

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Quem suporia que Roland Barthes, condutor de uma histórica revolução da crítica literária, pudesse estar tão atento aos diários de André Gide quanto ao cinema de Robert Bresson, nos meados do decênio de 1940, quando o mundo ainda guerreava e ele saía de sua clausura sanatorial, para interceptar os ritos da vida intelectual francesa, tão impetuosamente como deixa ver O grau zero da escritura? E quantos são os que sabem hoje, quando o mundo das Letras, Comunicações e Artes o recepcionam como um pensador para o nosso tempo que, no momento mesmo em que concluía os insólitos, insolentes, corrosivos capítulos de Mitologias, tão voltados para o imaginário das palavras, Barthes lançava notas sobre a limpeza das imagens – o que é o contrário do mito – no filme de estreia de Claude Chabrol, datado de 1958 e cronologicamente o primeiro da Nouvelle Vague? É dessa parte escondida da obra do autor, ou melhor dizendo, da surpreendente maneira como, em meio a suas famosas análises do tráfico de associações do signo, ele acha tempo para identificar a mesma economia virtuosa de recursos naquele grande mestre e, à época, modesto precursor da Nouvelle Vague, que trata o livro de Leda Tenório da Motta. Mas se já é instigante descobrir que os Cahiers du Cinéma, a Nouvelle Vague e a Nouvelle Critique têm mais em comum do que deixaria prever a frequentação mútua de seus mais notáveis representantes – já que o autor de O grau zero da escritura e o diretor de Acossado vivem lado a lado, como dois importantes intelectuais públicos do século XX. Neste segundo volume que Leda Tenório da Motta dedica ao autor de O grau zero da escritura, descobrimos, com surpresa, além do mais, que Godard e Barthes partilham a vertiginosa interiorização dos protestantes, e que ela é produtiva. Ligada à criação do primeiro no seio de uma família materna pertencente à religião da reforma, em pleno país basco francês, e à evolução do segundo numa família de intelectuais, que deu reverendos e teólogos, num cantão da Suíça calvinista, é essa herança comum, assumida, aliás, como destino, que os leva à confidencialidade – o mar de histórias do cinema em primeira pessoa de Godard, o discurso existencial de Barthes em sala de aula –, e os inclina ao viver-junto das comunidades idiorrítmicas, como são os Cahiers, na fase heroica e, no caso de Barthes, o espaço amoroso do Seminário. Mas é principalmente isso que os imbui de um sentimento, não de exclusão, o que seria patético, mas de destacamento do mundo ao redor, e os põe sempre na posição da testemunha. O que, por outro lado, explica que sejam brechtianos da primeira hora e idênticos semioclastas, na contramão da piedade da alta cultura, no século dos derrubadores de imagens.
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