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Chão de Estrelas
SLEZYNGER, LEO
LIVROS DE FAMILIA
39,90
Estoque: 11
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Prefácio
Conheci o Leo tempos atrás, por meio de uma amiga em comum, em um almoço de domingo em um restaurante à beira mar em Paraty, no Rio de Janeiro. No trajeto de volta do passeio, a bordo de uma escuna, viemos conversando sobre projetos ambientais e sobre a Amazônia. 'Mateiro' com mais de 30 anos de viagens a trabalho pelo Brasil como consultor ambiental e de turismo sustentável, iniciei ali uma amizade com este empresário entusiasta da visão conservacionista, já que tínhamos os mesmos interesses: meio ambiente e sus tentabilidade. A partir daquele dia, nossas conversas sempre giraram em torno do tema.
Certa vez, fomos jantar com um convidado especial: o então presidente da Funai Sidney Possuelo, que conheci durante a Rio-92, quando trabalhei elaborando roteiros turísticos para os convidados internacionais do evento. Leo estava interessado em financiar um documentário sobre a região do Rio Javari, na Amazônia, um dos locais mais remotos e intocados da hileia brasileira que já conheci. A ideia era de Possuelo, criador do departamento de índios isolados da Funai. Apesar da comichão em encarar junto ao Leo a proposta, o de safio era grande e o resultado incerto, já que o trabalho com comunidades tradicionais, em especial indigenas, nunca é fácil.
Na oportunidade, ponderei se não seria melhor o investimento em projetos na Mata Atlântica, um bioma que há séculos, desde a chegada dos colonizadores, sofre a pressão antrópica da ocupação e exploração de seu patrimônio natural. Um investimento nos moldes do que aconteceu na região de Paraty, sem tradição agropecuária, que desde os anos 1970 vive do turismo e, parcialmente, da pesca e da agricultura de subsistência. Talvez tenha sido plantada ali a semente do projeto Chão de Estrelas. Desde então, em sua incubada verve ambientalista, Leo vem acalentando o desejo de, mais do que manter a "floresta em pé", reconstituí-la.
É gratificante ver como um empresário de grande porte, que poderia muito bem estar em busca de mais ganhos econômicos, acumulando mais e mais, decide aplicar seus recursos pessoais neste sofrido bioma que, a mais de quinhentos anos, vem sendo exaurido e dilapidado pelo "bicho-homem", em sua eterna ganância predatória. O planeta agradece.
A meu ver, Leo é expressão do que é a tendência atual na Europa, renovada no contexto da pandemia: o Capitalismo Verde, consequência dos impactos da mudança climática, fenômeno anunciado desde Estocolmo-72, reforçado a partir da Rio-92 e atualizado com os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015 visando, em especial: promover a agricultura sustentável e a disponibilidade da água potável para todos; assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; tomar medidas urgentes para combater as mudanças climáticas e seus impactos; e, sobretudo, proteger, recuperar e promover o uso sus tentável dos ecossistemas terrestres, gerindo de forma sustentável as florestas, combatendo a desertificação, detendo e revertendo a degradação da terra e a perda de biodiversidade.
Entre as ações do projeto Chão de Estrelas, está a adoção de Sistemas Agroflorestais (SAFS) para a progressiva formação de uma parcela de agrofloresta no espaço de sua propriedade que foi pasto no passado. Por cerca de dez anos, de 1993 a 2013, tive o privilégio de conviver com o engenheiro florestal belga aqui radicado, Jean Dubois. Fundador da Rede Brasileira Agroflorestal, da qual participei em seu Conselho Consultivo, Jean é pioneiro em sistemas agroflorestais.
No Brasil, a prática de sistemas agroflorestais está presente entre as populações indígenas desde muito antes da "descoberta" de Pindorama, a terra ou região das palmeiras, como os nativos denominavam nossa pátria. A Mata Atlântica, em sua enorme dimensão até o início da colonização, se apresentava como um conjunto de exuberantes florestas nativas e outros ecossiste mas associados, cobrindo aproximadamente 1,3 milhão de quilômetros quadrados. Atualmente, restam apenas cerca de 100 mil quilômetros quadrados, algo entre 7 e 8 por cento da vegetação original (ou pouco alterada).
Por isso, cresce a importância de ações de empresá rios conscienciosos como Leo, uma vez que as árvores nos proporcionam um amplo leque de insumos (madeiras, plantas medicinais etc.) e serviços ambientais (sombra, proteção do solo e das águas, efeito regulador sobre o clima etc.). A destruição em grande escala das florestas e das matas nas paisagens rurais acelera a erosão da terra, contribui para o assoreamento dos cursos d'água e aumenta a pressão humana sobre o que está sobrando deste bioma.
A adoção crescente de SAFS por agricultores familiares tem impacto direto nesse processo, ao diversificar sua produção e geração de renda com estilos de comprovada sustentabilidade. Porem, ainda é necessário concentrar mais esforços para socializar este saber com outros pequenos produtores de forma a aumentar os níveis de biodiversidade dos sistemas, e é justamente neste ponto em que projetos como a Chão de Estrelas se fazem importantes. Ao adotar os SAFS para aumentar a renda, o agricultor familiar tira proveito de suas vantagens potenciais quanto à segurança alimentar, saúde, qualidade de vida, maior envolvimento dos filhos na roça e à sua própria permanência na proprieda de rural - contribuindo localmente para a regeneração florestal, um dos principais objetivos das ações de Leo.
Nesse sentido, o projeto Chão de Estrelas tem ancorado suas ações, políticas e programas em quatro grandes eixos: a sustentabilidade dos sistemas de produção, a segurança alimentar, o combate à pobreza rural e a geração de renda e de valor agregado aos produtos da agricultura familiar. Com tudo isso, pretensiosamente. quer se criar com ele um modelo para o desenvolvi mento sustentável, não só mantendo a "floresta que ainda está de pé", mas recompondo e fomentando c uso sustentável dos recursos naturais, jornada em que meu amigo Leo pode contar comigo.
Roberto Mourão
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