A noite dos peregrinos

BON, HENRIQUE
VERMELHO MARINHO

80,00

Esgotado

Literatura e história, assim como escritores e historiadores, fazem bom casamento. Seja porque possibilita ao escritor encontrar informações, nos tempos distantes, fugindo da mesmice do presente. Seja porque o historiador vai usar a literatura com prudência, mas, embebendo-se do seu mel. Em A noite dos peregrinos, ao historiador e ficcionista podemos juntar o médico e memorialista Henrique Bon, que, num texto apaixonante, nos faz viajar no tempo, e conhecer as venturas e desventuras das histórias da imigração, de diferentes lugares e países. Longe de buscar o exotismo dos espaços ou heróis, fazendo-os bons ou maus, temas clássicos dos romances históricos desde Walter Scott, Henrique Bon refaz a trajetória plena de peripécias de várias famílias suíças, desde a saída dos cantões natais à Nova Friburgo, nas montanhas do Rio de Janeiro. E o faz sem sacrificar a liberdade do excelente romancista que é. Tendo como pano de fundo o início do século XIX, tempos em que o rei português, D. João VI, procurava trabalhadores brancos para inseri-los no seu reino tropical, o autor recupera com preciosismo o cotidiano dos candidatos, os lugares de onde partiram, sua caminhada até o porto, Reno abaixo. Os momentos de sonhos e esperanças ao som da cornemusa na caravana até a costa holandesa. As tensões da partida para o desconhecido. Os conflitos entre as famílias, durante a penosa travessia do Atlântico. A chegada ao Rio de Janeiro, sujo e pobre. O contato com a escravidão pelas ruas, estradas e fazendas. O desencanto com a instalação em terras estéreis. A morte, companheira de todos os dias. As diabruras de um cônsul mal intencionado. A descoberta da mata atlântica, de suas árvores esplêndidas e de sua destruição. Cantagalo, Nova Friburgo, Macaé, localidades cheias de promessas e decepções. O ouro verde ou o café, e o reverso da fortuna. As dúvidas: ter ou não ter escravos, era a questão. Os desentendimentos com as autoridades. E finalmente, a chegada do amor que tudo consola e constrói. Graças a uma pesquisa exaustiva e unindo as pontas entre história e ficção, ele nos oferece uma leitura fascinante, capaz de nos transportar ao árduo dia a dia dos imigrantes e suas lutas para construir um futuro melhor para si e os seus. Em páginas magníficas, ele nos faz descobrir os recursos subjetivos, as energias físicas, mentais e morais com que seus antepassados responderam ao projeto de viver num mundo novo, desconhecido, Outro e hostil. Mas não só. Ele encontra no passado o registro de suas interrogações. Afinal, jamais saberemos quem somos, se não soubermos quem fomos. Henrique Bon sabe que as memórias familiares não estão reservadas à evocação da nostalgia de festas e encontros. A história das famílias em busca de um reino prometido, sua chegada ao inferno e sua nção é, como ele bem demonstra, a perpetuação de uma herança, de uma identidade constitutiva da formação de todo indivíduo. Num período em que a família sofre tantas transformações – alguns falam mesmo em eclipse da vida familiar – seu livro nos convida a refletir sobre as manifestações e mudanças da memória coletiva em nossa sociedade. A busca de restos de um mundo desaparecido nos leva ao encontro de um amplo painel onde o microcosmo de cada forasteiro ilumina as mudanças globais atuais. Numa época de correntes humanas que cruzam a terra, ler A noite dos peregrinos é uma obrigação e um prazer. Henrique Bon nos ensina, com o estilo dos grandes ficcionistas, toda a doçura e o amargor de ser o Outro, de viver com ele e de construir um mundo melhor. Mary Del Priore
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