Digno é o Cordeiro - Memória de Um Ano Sombrio

FARACO, SERGIO
LPM

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“Em meu primeiro passo na calçada, dois homens me seguraram, um em cada braço [...]. Tentei me libertar, mas um dos braços me foi torcido às costas, fazendo com que me curvasse e fosse ao chão. [...]- Não faz escândalo – disse um dos policiais –, ninguém está interessado nos teus gritos.[...]No outro lado da avenida, tive de entrar num Fusca bordô, onde aguardavam o motorista e outro homem. Os dois policiais, ambos robustos, sentaram-se no banco traseiro, espremendo-me no meio. Levaram-me para um sobrado de dois pisos na rua Duque de Caxias no 1705, quase defronte à Praça do Portão. [...]. Deixaram-me encerrado numa peça do piso superior, de parco e arruinado mobiliário: a escrivaninha, a máquina de escrever, a cadeira almofadada e três ou quatro cadeiras comuns. Para me vigiar, foi chamado um guarda-civil. Finalmente, acabava a angústia de não saber quando seria preso. Começaria uma outra. Chegara a minha vez.”Anos de horrorEm 1963, Sergio Faraco, então jovem membro do Partido Comunista Brasileiro, viajou a Moscou às expensas do Partido Comunista da União Soviética para estudar. Acabou se indispondo com o autoritarismo e preso em isolamento no Hospital do Kremlin (espécie de gulag urbano), para ser “reeducado”. Retornou em 1965 a um Brasil onde ocorrera um golpe e se iniciara a ditadura militar – que, é claro, não deixaria impune um jovem militante recém-chegado do berço do comunismo.Ainda alquebrado pela experiência soviética, Faraco foi preso pela Interpol em Porto Alegre, num sobrado da rua Duque de Caxias, e dali não saiu incólume. Esta importante obra documental rememora e revive os anos de horror de 1964 a 1985 no Brasil. Vigia então o Estado repressor, em que todas as garantias e liberdades individuais estavam suspensas, em que imperava o denuncismo, com vizinhos, conhecidos e até amigos desconfiando uns dos outros, e no qual mesmo uma delação sem fundamento podia significar um caminho até a tortura e a morte.Um relato magistralmente escrito, profundamente humano, universal, atual e necessário.
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